O início de um novo ano costuma ser acompanhado por um sentimento de renovação. É comum fazer listas de metas, planejar mudanças e traçar objetivos, desde o desejo de alcançar promoções no trabalho, planos de emagrecimento, até novas estratégias para uma vida mais saudável. Embora isso possa ser motivador, essa prática pode também se transformar em um gatilho para ansiedade, especialmente quando as metas se tornam uma fonte de pressão excessiva.
De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), no Brasil existem mais de 18 milhões de pessoas enfrentando transtornos de ansiedade, o que corresponde a aproximadamente 9,3% da população. Além disso, segundo a nona edição da pesquisa conduzida pela CAUSE em parceria com o Instituto de Pesquisa IDEIA e PiniO, a palavra de 2024 para a maioria dos brasileiros é “ansiedade”, com 22% das menções.
Para a endocrinologista Alessandra Rascovski, diretora clínica da Atma Soma e fundadora do projeto Cérebro em Ação, essa realidade destaca a urgência de os brasileiros aprenderem a identificar os sintomas da doença, especialmente no contexto das pressões e expectativas que surgem com as metas do novo ano. “Muitas pessoas iniciam janeiro sentindo-se na obrigação de mudar radicalmente em um curto espaço de tempo. Porém, objetivos irreais ou mal planejados podem criar um senso de inadequação e frustração, principalmente se não forem alcançadas imediatamente”.
A cobrança interna para corresponder a esses planejamentos, somada à pressão social e às comparações em redes sociais, pode intensificar sentimentos relacionados ao transtorno e até mesmo levar à exaustão emocional.
Como lidar com a pressão das metas e manter o equilíbrio emocional
Alessandra Rascovski aponta que, para manter o equilíbrio emocional, é fundamental proporcionar ao cérebro um ambiente de transição mais suave, com metas claras e alcançáveis, permitindo tempo para adaptação. Confira abaixo algumas estratégias para lidar com essa pressão de maneira saudável:
1. Estabeleça metas realistas e progressivas
Quando os objetivos são ambiciosos ou impostas de forma abrupta, a sensação de insegurança e sobrecarga pode ativar o sistema de resposta ao estresse. “Portanto, é fundamental que as metas sejam divididas em etapas menores, alcançáveis e com prazos flexíveis. Isso permite que o cérebro se adapte ao longo do tempo e tenha alguns momentos para analisar as mudanças sem sobrecarregar o sistema nervoso”, afirma a especialista.
2. Valorizar o progresso, não a perfeição
A busca constante pela perfeição é uma das principais fontes de estresse, pois ela gera expectativas irreais e aumenta a pressão. “O cérebro tende a se concentrar mais nos erros do que nos sucessos, o que é um reflexo de nossa programação evolutiva externa para a sobrevivência”.
Então, lembre-se de celebrar as pequenas conquistas para liberar dopamina,”o neurotransmissor associado ao prazer e à motivação, o que melhora o humor e diminui a percepção de estresse”. Ao reconhecer os progressos, o cérebro se vê recompensado, o que ajuda a fortalecer a autoconfiança e a sensação de controle.
3. Priorize o autocuidado
A ansiedade constante, alimentada pela pressão por resultados rápidos, pode afetar aspectos de saúde mental e física. Além do impacto direto nos níveis de cortisol, o estresse prolongado pode causar distúrbios no sono, aumentar o risco de doenças cardiovasculares e prejudicar a função imunológica.
“É super importante incluir momentos de autocuidado na rotina, como meditação, exercícios físicos, hobbies ou simplesmente descansar. Essas atividades ativam o sistema nervoso responsável pela resposta de relaxamento, ajudando a reduzir os efeitos do estresse”, aconselha Alessandra.
4. Evite comparações
A comparação constante com os outros cria um ciclo de frustração e ansiedade. Isso acontece porque ele tende a se comparar com referências externas, o que pode gerar insegurança e medo do fracasso. Para lidar com isso, é necessário focar na própria jornada e nos seus próprios critérios de sucesso, celebrando as vitórias pessoais e respeitando seu ritmo.
5. Peça ajuda quando necessário
De acordo com a endocrinologista, quando a ansiedade começa a interferir no bem-estar, é crucial buscar apoio. A ansiedade prolongada pode desencadear alterações na química cerebral, como a diminuição da serotonina e da dopamina, neurotransmissores responsáveis pelo bem-estar e pela regulação do humor.
“Começar o ano com metas pode ser positivo, desde que feito com equilíbrio e gentileza consigo mesmo. Afinal, o mais importante é construir um caminho que respeite o seu tempo e a sua saúde mental, permitindo que o ano novo seja realmente uma oportunidade de renovação e crescimento pessoal”, pontua.
Soluções rápidas para perda de peso
Com a proximidade do fim do ano, cresce a pressão para alcançar metas de bem-estar e renovar a imagem pessoal antes do início de um novo ciclo. Esse movimento tem levado ao uso indiscriminado de medicamentos que, embora desenvolvidos para outras finalidades, têm ganhado destaque como auxiliares no emagrecimento.
“No ano de 2024, muito se ouviu falar nas canetas injetáveis Mounjaro, Zepbound, Ozempic e Wegovy, medicamentos à base dos princípios ativos tirzepatida e semaglutida, respectivamente, inicialmente indicados para tratamentos de controle de peso – em casos de obesidade – e diabetes tipo 2”, relata Alessandra Rascovski.
No entanto, segundo a especialista, esses fármacos estão sendo vistos como soluções milagrosas, percepção alimentada por influenciadores e personalidades públicas, que relatam abertamente o uso dessas canetas para perder pequenas quantidades de peso, como uma “barriguinha” ou alguns quilos ganhos em períodos específicos.
Para a endocrinologista, o apelo desses medicamentos, amplificado pelas redes sociais e pelo discurso de que “todos estão usando”, impulsiona uma procura desenfreada e, muitas vezes, perigosa. Segundo ela, promessas de soluções rápidas ignoram os riscos associados, como náuseas, desidratação, perda de massa magra e complicações mais graves.
“Além disso, a utilização sem supervisão pode mascarar problemas de saúde subjacentes, como distúrbios hormonais, que exigem avaliação individualizada. Por essa razão, é necessário ter em mente que esses remédios podem sim ser ferramentas importantes em casos específicos, mas não substituem uma abordagem consciente e duradoura para o bem-estar”, aponta.
Ansiedade e o cérebro
Do ponto de vista fisiológico, segundo a especialista, a ansiedade começa no cérebro, mais especificamente na amígdala, que é responsável por processar emoções. “Quando enfrentamos uma situação estressante, ativamos a resposta do corpo ao estresse. Isso leva à ativação do sistema nervoso simpático, conhecido como a resposta de luta ou fuga, que resulta na liberação de hormônios do estresse, como o cortisol e a adrenalina”, relata.
O cérebro humano, em sua essência, é projetado para buscar estabilidade e prever o que acontecerá a seguir, o que nos permite reagir de forma mais eficaz às situações. Quando surgem mudanças bruscas ou cobranças para atingir resultados rápidos, isso gera um desconforto natural. Isso pode causar uma série de reações fisiológicas, como aumento da frequência cardíaca, respiração mais rápida e tensão muscular.
“É importante lembrar que metas de fim de ano, como emagrecer ou começar na academia, devem ser encaradas como um compromisso com o bem-estar, e não como uma fonte de pressão excessiva”, orienta Alessandra Rascovski. “Pequenos passos consistentes e respeitosos no próprio ritmo são mais sustentáveis do que buscar mudanças radicais em pouco tempo. O foco deve estar em criar hábitos que tragam saúde e qualidade de vida, sem cobranças irreais”, finaliza.