Tite tinha um plano bem claro na Copa do Mundo de 2022. Uma boa campanha da seleção brasileira –que vinha de ótimo ciclo sob seu comando, com título da Copa América e recorde de pontos nas Eliminatórias– seria seu passaporte para um grande clube da Europa. Falava-se no Arsenal, que tem seu velho amigo Edu Gaspar como dirigente.
O que ocorreu de lá para cá não foi exatamente o que ele esperava.
O Brasil caiu nas quartas de final, diante de uma envelhecida Croácia. As propostas que ele aguardava não se materializaram. A solução foi quebrar a reiterada promessa de não assumir um time brasileiro em 2023 e topar em outubro a oferta do Flamengo, dono do plantel amplamente reconhecido como o melhor do país.
De novo, não foi o que o gaúcho imaginava.
O título do Campeonato Carioca de 2024 contra o Nova Iguaçu ficou longe de mascarar o óbvio: Tite teve desde o início uma relação fria com o elenco e jamais conquistou a galera rubro-negra. No processo, perdeu o respeito de boa parte da torcida que realmente o idolatrava, como ficou claro em 1º de setembro.
Antes de ter aceitado assumir o Flamengo, o treinador recusou quatro vezes um retorno ao Corinthians –clube pelo qual conquistou quase tudo de 2011 a 2015, uma lista de troféus que inclui dois do Campeonato Brasileiro, um da Copa Libertadores e um do Mundial. A justificativa era sempre a muito bem documentada resolução de não trabalhar em uma equipe do Brasil em 2023.
“Toda equipe brasileira que pensar no Tite como técnico, esquece. Esquece, porque ele não vai treinar”, disse, em participação no podcast Flow, deixando uma autorização prévia com uma lista de adjetivos no caso de quebrar essa promessa ao longo do ano: “Pode me chamar de mentiroso, do que quiser, de sem palavra”.
Ainda assim, descumprida a palavra –ele acertou com o Flamengo justamente em um momento no qual o Corinthians estava sem técnico e tentava a volta mais uma vez–, o gaúcho achava que seria homenageado em sua primeira partida como visitante no estádio de Itaquera, expectativa que manifestou a pessoas próximas.
A partida estava marcada para o aniversário do clube alvinegro, e a data é sempre motivo para homenagens a figuras históricas, como Oswaldo Brandão. Mas o clube, institucionalmente, ignorou a existência de Tite. E o público presente na arena da zona leste paulistana oscilou entre a indiferença e o ódio, com gritos de “mentiroso” e “filho da p…”.
“Deixa a minha mãezinha”, reclamou o treinador, em afetação que desprezava o objeto das ofensas: ele, não sua mãe. Enquanto era insultado, viu alguém que ainda é tratado como ídolo, Ángel Romero, definir o triunfo preto e branco por 2 a 1.
Sua situação no Flamengo, que era difícil, ficou insustentável com a eliminação na Copa Libertadores, agravada por novo debate semântico. “Vai fazer o gol lá. Me cobra depois”, disse, após a derrota por 1 a 0 em casa para o Peñarol. Ao fim do empate sem gols no jogo de volta, tentou explicar: “Promessa não foi; eu projetei, sim”.
Nem mesmo a suada vitória sobre o Athletico Paranaense na partida seguinte, no Maracanã, pelo Campeonato Brasileiro, evitou sonoro coro de xingamentos e salvou o emprego de Tite. Que, aos 63 anos, vê frustrados os planos que traçara para o período pós-seleção e vislumbra as possibilidades que se apresentam, bem diferentes das que ele visualizava para este momento.
A Europa, ao menos nos grandes centros, está fechada. A experiência no melhor elenco do Brasil foi um fracasso. E o que já foi um doce refúgio não está mais à disposição, por um “tardio amor-próprio”, como têm falado grupos de torcedores alvinegros.
Tite, demitido pela primeira vez após 15 anos, está incomodado.
Conceder entrevistas exclusivas é algo que ele não faz há mais de um ano. Mas, aos habituais interlocutores, deixou claro ter ido da decepção à mágoa com o Corinthians. E deixou ainda mais claro que não compreende a mágoa do outro lado.
Ele também não compreende o que se tornou a cobertura diária dos grandes clubes, com cada vez mais pretensos “influencers” e menos membros da imprensa dita tradicional. Na discussão promessa x projeção em sua frase sobre o aparentemente inevitável gol do Flamengo contra o Peñarol, seu grande oponente foi o “Paparazzo Rubro-Negro”.
O gaúcho considera hoje as torcidas pautadas por “corneteiros”, não por jornalistas. E se incomodou muito –o que já ocorrera no Corinthians e na seleção– com os questionamentos a respeito da presença de seu filho, Matheus Bachi, em sua comissão técnica. Para ele, há enorme contraste entre a seriedade e cientificidade dessa comissão e de sua respectiva cobertura.
A cobertura mudou. O prestígio de Tite –no mundo do futebol, em geral, e no único clube em que teve tratamento de ídolo–, também.