Manchester City pode reescrever história da Premier League – 18/09/2024 – Esporte


Após seis anos de investigações, atrasos e batalhas nos bastidores, uma audiência finalmente começou esta semana para investigar alegações de que o Manchester City usou um esquema de trapaça de longa data para se transformar em uma potência global do futebol e um campeão serial da Premier League.

A audiência é uma das mais importantes na história do esporte britânico, o ápice de um caso que tem sido o assunto do futebol inglês desde que a Premier League acusou o Manchester City de mais de 100 violações de seus regulamentos financeiros no ano passado.

As acusações —de que o City corrompeu a competição de futebol mais rica do mundo por uma década ou mais— ameaçam reescrever anos de história da Premier League. E as repercussões podem ir muito além do campo de futebol. Ao acusar o proprietário do City, o vice-primeiro-ministro dos Emirados Árabes Unidos, de presidir anos de quebra de regras, o caso pode chegar aos mais altos níveis da diplomacia internacional.

E então há os torcedores. Com as sugestões de que a trapaça ajudou a entregar troféus ao City enquanto rivais ricos ficaram de mãos vazias, a audiência tem incitado as paixões de dezenas de milhões de seguidores de futebol ao redor do mundo.

O que é o caso do Manchester City?

Já se passaram 19 meses desde que a Premier League anunciou um conjunto de acusações contra o Manchester City tão abrangente que o dano à reputação da década de sucesso do time provavelmente será manchada mesmo que ele prevaleça. As acusações remontam a 2009, um ano após a compra do City pelo irmão do governante de Abu Dhabi, nos Emirados Árabes Unidos. Essa aquisição deu início a uma era de gastos acelerados —e sucesso— para um clube que não vencia um campeonato desde 1968.

A Premier League acusou o City de 115 violações de regras específicas. A maioria está relacionada a violações de suas regulamentações financeiras, incluindo a falta de fornecimento de informações financeiras precisas; a apresentação de números inflados para acordos de patrocínio envolvendo empresas dos Emirados, como a companhia aérea Etihad Airways e a empresa de telecomunicações Etisalat; e a ocultação de pagamentos não registrados que complementavam os salários de técnicos e jogadores. Outras acusações indicam que o City não cooperou durante a investigação, que levou quase quatro anos e milhões de dólares para ser concluída.

O caso pouco fez para desacelerar o City em campo: o clube venceu os últimos quatro campeonatos da Premier League, bem como, em 2023, seu primeiro troféu da Liga dos Campeões.

Quanto tempo levará a audiência?

A audiência, que alguns veículos de notícias descreveram como o “julgamento do século”, ocorrerá longe dos olhos do público, dentro de um prédio no distrito financeiro de Londres que abriga o Centro de Resolução de Disputas Internacionais —uma instalação privada para empresas desembaraçarem conflitos longe de olhares curiosos.

O Manchester City, que há muito tempo conta com advogados para se defender ou adiar qualquer acerto de contas, reuniu um elenco de alguns dos mais caros juristas britânicos. Sua defesa é liderada por David Pannick, um advogado cuja taxa horária o coloca no mesmo patamar salarial de Erling Haaland, o atacante norueguês cujos gols levaram o City aos seus títulos mais recentes.

Terça-feira foi o segundo dia de uma audiência que deve durar 10 semanas, e não se espera um veredicto até o início do próximo ano. Isso significa que o caso pairará sobre mais da metade da atual temporada da Premier League, na qual o Manchester City já lidera a classificação enquanto busca um quinto título consecutivo.

O que o City está dizendo?

O Manchester City negou consistentemente todas as acusações, mesmo antes de serem enumeradas pela Premier League no ano passado, e disse que seu caso é apoiado por um “corpo abrangente de evidências irrefutáveis”.

No entanto, nunca forneceu essas evidências publicamente, dizendo que as alegações são baseadas em “hacking ilegal e publicação fora de contexto de e-mails do City”.

Hacking ilegal?

O caso do City tem raízes na publicação de uma série de documentos chamada Football Leaks. Eles foram divulgados por um hacker português, Rui Pinto, depois que ele teve acesso aos arquivos internos de alguns dos maiores times do futebol global. Seus apoiadores o chamaram de denunciante; os clubes o rotularam de ladrão. Os milhares de documentos, mensagens e e-mails que ele descobriu, no entanto, apontaram para um lado feio da indústria bilionária do futebol e levaram a constrangimentos e, em alguns casos, consequências legais para algumas das maiores personalidades e instituições do futebol. Mas é o caso do City que sempre pareceu ter as ramificações mais significativas, dadas a dimensão da Premier League e o proprietário do Manchester City, Sheikh Mansour bin Zayed al-Nahyan, que, além de sua influência política nos Emirados Árabes Unidos, é um dos homens mais ricos do mundo.

Pinto foi preso em Portugal e enfrenta outras acusações relacionadas às suas atividades visando a indústria do futebol. O caso do City, disse ele em um comunicado divulgado por seu advogado, “demonstra claramente mais uma vez a importância das revelações do Football Leaks, seu interesse público e seu valor generalizado que supera outros interesses.”

O que poderia acontecer se o City for condenado?

Não há precedente para uma punição sobre a série de acusações que o City enfrenta. O Everton, uma equipe que foi considerada culpada de apenas uma acusação de violação das regras financeiras da Premier League, foi inicialmente penalizado com uma dedução de dez pontos na classificação no ano passado, a maior penalidade na história da liga —após recurso, a punição foi posteriormente reduzida para seis pontos.

A gama de punições potenciais que o Manchester City enfrenta inclui multas enormes, uma dedução significativa de pontos ou até mesmo a sanção máxima: a expulsão da Premier League. Qualquer penalidade poderia levar clubes rivais a reivindicar títulos que sentem que lhes foram negados. E uma punição esportiva significativa —como o banimento da Champions League— poderia levar à dissolução do elenco dominante e repleto de estrelas montado pelo técnico espanhol do City, Pep Guardiola.

A audiência tem até mesmo altos riscos para as relações internacionais. O governo britânico pareceu confirmar as discussões entre o Ministério das Relações Exteriores e os Emirados Árabes Unidos quando recusou pedidos de liberdade de informação sobre as negociações relacionadas ao caso, argumentando que “detalhar nosso relacionamento com o governo dos Emirados Árabes Unidos poderia potencialmente prejudicar o relacionamento bilateral entre o Reino Unido e os Emirados Árabes Unidos”.



Folha de S.Paulo