'Copa de Quebra-Cabeça' tem equipe brasileira, pressão por resultado e Simone Biles dos puzzles




Speedpuzzling é como é chamada a modalidade de quebra-cabeça praticada no campeonato que começa nesta terça-feira (17). Nela, os participantes correm contra o relógio para unir todas as peças no menor tempo possível. Campeonato Mundial de Quebra-Cabeças
A partir desta terça-feira (17), a província espanhola de Valladolid reúne competidores de pelo menos 32 países para o inusitado Campeonato Mundial de Quebra-Cabeças, evento criado em 2019 pelo professor e entusiasta Alfonso Álvarez-Ossorio.
Mas, muito antes de ter um campeonato mundial ou mesmo de dominar as salas de estar da classe média no século XX, o jogo surgiu como uma atividade restrita às elites. O primeiro quebra-cabeças nasceu entalhado em madeira pelas mãos do cartógrafo inglês John Spilsbury, pensado para explicar as fronteiras da Europa aos filhos do rei Jorge III, por volta de 1760.
“Nos primeiros cem anos era algo quase restrito a realeza”, explica, em entrevista ao g1, Álvarez-Ossorio, que também é presidente da Federação Mundial de Quebra-Cabeças. Agora, com a atividade democratizada, Valladolid e seus 298 mil habitantes se preparam para receber alguns milhares de turistas de todas as partes do mundo em um evento com orçamento de quase 400 mil euros para ser realizado – e um modesto prêmio de mil euros (pouco mais de R$ 6 mil) ao grande vencedor.
Álvarez-Ossorio conta que a ideia do torneio surgiu durante um concurso na Bélgica. “Imaginei um Campeonato Mundial que não tivesse nada a invejar das outras modalidades”, relembra.
Embora a montagem de quebra-cabeça ainda não seja considerada um esporte, Alfonso Álvarez-Ossorio argumenta que a modalidade “obviamente possui todos os requisitos necessários” para ser considerada como tal:
Alfonso Álvarez-Ossorio, criador do Campeonato Mundial de Quebra-Cabeça
Gabriel Wesley
Como funciona?
🧩Speedpuzzling é como é chamada a modalidade de quebra-cabeça praticada no campeonato. Nela, os participantes correm contra o relógio para unir todas as peças no menor tempo possível.
🧩O Campeonato Mundial de Quebra-Cabeças é divido em cinco dias e três categorias – individual, duplas e equipes – os competidores enfrentam múltiplas rodadas até chegar aos vencedores.
E o Brasil, tem vez?
Em 2019, ano de abertura do torneio, a brasileira Ednéia Silveira terminou a categoria individual na 24ª posição, com 1h07. A competição deixou de ser realizada nos dois anos seguintes por causa da pandemia e só voltou em 2022. Nesta edição, embora tenha finalizado o quebra-cabeça com sete minutos a menos, a campeã nacional viu sua posição cair para o 46º lugar.
“Mais pessoas pelo mundo estão treinando e participando. Acho que na primeira edição tinha cerca de 300 pessoas. A quarta edição vai passar de 2 mil”, explica a servidora pública, que também é presidente da Associação Brasileira de Quebra-Cabeças e organiza o segundo Campeonato Brasileiro de Quebra-Cabeça, que acontece em 19 de outubro.
Como todo esporte, o speedpuzzling também tem seus ídolos. Quem é a Simone Biles dos puzzles? Não foi difícil descobrir. Perguntadas pelo g1, Ednéia e suas parceiras de equipe no “Time Brasil” do campeonato deste ano foram unânimes ao suspirarem um nome só: “Alejandro!”
🧩Mentalidade de campeão
Em junho de 2022, o engenheiro e pesquisador espanhol Alejandro Clemente estreou na competição, e também no topo do pódio do mundial de quebra-cabeças, de muletas. Ele havia se machucado em uma partida de futebol pouco mais de uma semana antes do campeonato, o que lhe rendeu um tempo extra de repouso para praticar focar no que considera o quesito mais importante: as habilidades mentais.
“Eu não tinha expectativas de ser o número um”, relembra o campeão mundial.
Alejandro, hoje com 28 anos, conta que passou a ver quebra-cabeças como um esporte em 2019. Até então, os jogos não passavam de um hobby de infância, quando montava jogos de 50 peças ilustradas por personagens de desenho animado, como Mickey Mouse, o protagonista do seu primeiro quebra-cabeça.
“Existem dois sentimentos diferentes ao montar um quebra-cabeça: quando eu monto em casa é para relaxar e desconectar. Em um campeonato, obviamente, tem muita pressão”
“Os quebra-cabeças não me dão dinheiro algum, então tento não colocá-los no topo da minha lista de prioridades”, explica o campeão mundial, que além dos treinos, trabalha na Universidade Politécnica da Catalunha, joga futebol com os amigos, e passa tempo ao lado da namorada, com quem se comprometeu a frequentar “no máximo um campeonato por mês”.
Alejandro Clemente
Gabriel Wesley
🧩Trabalho em equipe
Enquanto se preparava para viajar à Espanha, a campeã brasileira, Ednéia Silveira, confirmou que lidar com a pressão é, de fato, um grande desafio para a maioria dos jogadores. “No ano passado teve uma colega que passou mal durante a montagem. Ela saiu de ambulância para o hospital.”
Para os 16 integrantes que embarcaram para a Espanha representando a equipe Vips Brasil, o investimento para competir no mundial chega a ultrapassar facilmente o prêmio oferecido ao primeiro lugar.
A maioria dos treinos da equipe brasileira acontece online para integrar competidores de diferentes estados, dos mais variados níveis de habilidade.
“Brinco que todo grupo tem que ter o Batman e o Robin. Eu sou o Robin”, compara a designer de eventos Karin Mancusi, de 48 anos, integrante da Vips Brasil. “Procuro separar e fornecer para as meninas mais fortes do meu time as peças necessárias para que elas montem mais depressa. Sou mais organizada do que ágil.”
🧩Lidando com a pressão
Quais seriam as habilidades necessárias para o competidor perfeito? Para Alejandro, não existe esquema ideal: “Todo mundo possui preferências e estratégias próprias. Você tem que identificar as peças o mais rápido possível e lidar com a pressão de competir com milhares de pessoas… É diferente quando você está sob os holofotes.”
Para Karin Mancusi, a resposta está na “habilidade visual e, principalmente, um psicológico bem preparado”, opina a brasileira, que já experienciou um momento em que cedeu à pressão no meio de um campeonato.
“2023. Final da eliminatória. Eu tava montando, focada, ótima. De repente, veio uma câmera na minha frente e eu travei. Não conseguia fazer nada E a equipe toda do Brasil estava do meu lado gritando…. Quase que não deu certo”, lembra.
A experiência relatada por Karin também é conhecida como “resposta de congelamento”. A reação é causada por uma espécie de desequilíbrio no córtex pré-frontal, área do cérebro responsável por funções executivas como planejamento, tomada de decisões e regulação emocional.
O estresse reduz a resposta do nosso córtex pré-frontal, o que pode levar a reações impulsivas. Isso acontece porque nosso processo de decisão passa a ser dominado pela amígdala cerebral, estrutura localizada nas profundidades do lobo temporal, que é mais rápida em detectar e reagir a ameaças.
“Qualquer habilidade, mesmo aquela que você tanto ama, pode representar um estressor”. É o que explica neurologista Antonio Netto. Segundo o especialista em cognição, atividades como a montagem de quebra-cabeças envolvem, principalmente, quatro áreas cerebrais:
Infográfico mostra quais áreas do cérebro são ativadas durante montagem de quebra-cabeça
Gabriel Wesley
🧩Conexão e superação
“O quebra-cabeça salvou minha vida”. É como a agrônoma de Vitória Marcia Bragatto Trazzi explica o papel que o jogo ocupa em sua vida.
A montagem de quebra-cabeça entrou na rotina da integrante do Vips Brasil em agosto de 2022 após sofrer uma inflamação no nervo craniano conhecida como neurite vestibular. O distúrbio comprometeu atividades básicas, como ler e dirigir, e ela precisou da ajuda da família para se recuperar.
“Minha neta fazia várias atividades comigo, peteca, bola. E todo dia montava um quebra-cabeça. Em um mês e meio estava dirigindo.”
Quem também encontrou na montagem das peças uma maneira de enfrentar uma realidade desordenada foi Josimar Evangelista, de Brasília. Ela enfrentou um câncer de mama em 2019 e passou um ano sem trabalhar.
“Passei praticamente um ano montando quebra-cabeças quase todos os dias. Era algo que me fazia focar e esquecer todo o resto”
A estratégia de enfrentamento se repetiu no começo do ano, após Josimar receber a notícia de que o câncer havia retornado. Após cinco meses em tratamento, ela é uma das integrantes que embarcaram pela primeira vez no campeonato com a equipe Vips Brasil.
Mundial de quebra-cabeça
Gabriel Wesley



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