Instituição, investigada pela Polícia Civil, foi descredenciada pela Secretaria Estadual de Educação em fevereiro de 2023. Sócio-administrador do colégio diz que há apenas ‘indícios’ das agressões e que ‘é muito difícil tirar conclusões’. Desde o início do ano letivo, cerca de 70 alunos estão em casa, aguardando uma vaga em outra escola especializada. Fachada da escola Gaia Educa TEA, descredenciada no início de 2023 pela Secretaria Estadual de Educação de São Paulo
Arquivo pessoal
“Meus filhos chegavam em casa [após a aula] sujos e cheirando a fezes e urina. Até que apareceram hematomas nas bochechas, nos braços, no peito, nas pernas e no pescoço deles. Ninguém na escola sabia me dizer o que estava acontecendo.”
O relato acima é de Jussara*, mãe de dois adolescentes autistas, de 14 e 17 anos, que estudavam em uma instituição específica para pessoas com o transtorno, na zona sul de São Paulo. Em abril de 2022, além de apresentarem esses ferimentos, os meninos também passaram a ficar mais agitados, nervosos e ansiosos, conta a mãe.
Esse foi apenas um dos episódios que levaram familiares de alunos a suspeitarem da prática de maus-tratos na Gaia Educa TEA, escola privada que era credenciada à Secretaria Estadual de Educação (Seduc-SP) até o início deste ano.
Ao todo, 15 pais e mães [leia mais histórias nesta reportagem] procuraram a Defensoria Pública do Estado de São Paulo para buscar ajuda. Parte deles também registrou boletins de ocorrência.
Jorge dos Santos, um dos sócios-administradores da Gaia, disse ao g1 que os relatos são apenas “indícios”, porque são “crianças com deficiência severa; é difícil de saber se foi alguém que causou ou se elas mesmas que causaram [as lesões]”. “Os profissionais da escola eram capacitados, e os nomes trazidos pelos pais [nas denúncias] foram afastados das atividades com os alunos”, afirmou.
Abaixo, veja os últimos desdobramentos do caso:
As investigações ainda estão em curso e correm em sigilo, tanto na esfera administrativa (por meio de sindicância na Seduc-SP) quanto na criminal (na Delegacia de Polícia da Pessoa com Deficiência).
Em fevereiro de 2023, após uma apuração preliminar, a Seduc descredenciou a Gaia Educa TEA.
Desde então, dos 89 alunos do colégio, cerca de 70 ainda aguardam uma vaga em outra instituição de educação especial ligada ao governo e próxima de suas casas.
Parte dos estudantes foi direcionada a uma escola que está em processo de credenciamento e que, portanto, ainda não aceita as matrículas.
A Defensoria Pública do Estado de São Paulo enviou, em 26 de maio de 2023, uma recomendação à Secretaria de Educação, para que os alunos sejam urgentemente matriculados em outras instituições credenciadas.
Mãe relata que apareceram hematomas no corpo do filho
Arquivo pessoal
Em casa e sem escola, adolescentes autistas têm mais surtos
Aos 16 anos, o filho de Mônica* está há 6 meses sem aula, lidando com uma quebra de rotina que, para pessoas com autismo, pode levar a surtos nervosos. “Essa mudança gerou compulsão alimentar, porque ele come mais quando está em casa, e crises agressivas que ele nunca teve”, diz a mãe.
Ao g1, a Seduc-SP disse que, em reunião com os pais dos jovens, ficou decidido que eles aguardariam a aprovação de novas instituições. Segundo o órgão, “os próprios responsáveis rejeitaram a oportunidade de efetuar matrícula em uma escola pública” comum (em que ficariam junto com alunos sem deficiência, com apoio especial no contraturno).
Renata Tibyriçá, defensora pública e professora de direito das pessoas com deficiência, explica que a situação é uma exceção e que transferir os alunos para um colégio comum não seria aceitável.
“São jovens de 13 a 17 anos que nunca tiveram acesso ao conteúdo da escola comum. O Estado nunca garantiu para eles uma inclusão adequada”, afirma.
Veja abaixo outros dois relatos de mães de ex-alunos da Gaia:
‘Se ele ouve falar em escola, entra em desespero’
Sandra*, mãe de Felipe*, de 14 anos, afirma que, em 24 de agosto de 2022, seu filho saiu da escola desestabilizado, chorando muito.
“Perguntei o que aconteceu, e a escola disse que não deu tempo de ver o que foi. Quando entramos no transporte, o Felipe mostrou os braços e disse que o auxiliar de sala tinha o machucado. Fez os gestos de pegarem no braço dele e falou: ‘muita raiva, muita raiva’”, conta.
No dia seguinte, Sandra marcou uma reunião com a direção do colégio. Segundo ela, ouviu como resposta: “Seu filho bate em professor, aí, quando a gente revida, você acha ruim? Aproveite e tire seu filho daqui.”
No dia 26, segundo a mãe do aluno, a funcionária da escola pediu desculpas, por telefone, e garantiu que o auxiliar seria demitido.
Ao g1, Jorge dos Santos, sócio-administrador da Gaia, diz que ouviu tanto as famílias dos alunos quanto os funcionários envolvidos nos relatos. De acordo com ele, esses trabalhadores foram afastados e ficaram sem contato com os alunos, até que as investigações fossem concluídas.
Até a última atualização desta reportagem, Felipe ainda estava sem aula, aguardando o credenciamento de uma nova instituição especial.
“Se ele ouve falar em escola, entra em desespero. Não consegue fazer mais nada sem minha presença. É como se estivesse sempre com medo, sem confiança. Antes, ele fazia tudo sozinho”, conta Sandra.
‘Fui a cinco psiquiatras para entender o que estava acontecendo’
Carol*, mãe de Luan*, de 14 anos, conta que o garoto sempre foi muito tranquilo. Até que, em setembro de 2022, mudou de comportamento: começou a puxar o cabelo das pessoas e a segurá-las com força.
“Fui a cinco psiquiatras para entender o que estava acontecendo”, diz Carol. “Eu ligava para a escola e perguntava se ele realmente tinha condições de ficar lá.”
No fim de 2022, Luan voltou da Gaia com arranhões no pescoço e no braço, conta a mãe do menino. Após conversar com outras mães de alunos e ouvir relatos semelhantes (de marcas no corpo e mudanças de comportamento), Carol procurou a diretoria de ensino, fez um exame de corpo de delito e registrou um boletim de ocorrência na delegacia.
Até a última atualização da reportagem, a família ainda aguardava o credenciamento da nova escola de Luan.
“Queria um lugar bom e especializado, com pessoas decentes e currículo adequado. Eu não aguento mais. Preciso de justiça.”
* Os nomes originais dos entrevistados foram preservados, a pedido deles, e trocados por fictícios.
Fonte: Fonte: G1