Brasil erra duas vezes ao não taxar plataformas chinesas


O empresário Luciano Hang, jocosamente chamado de Véio da Havan, abriu o debate ainda em maio de 2022, quando fez valer sua amizade e influência com o ex-presidente Jair Bolsonaro para apresentar um demolidor PowerPoint em que acusava plataformas chinesas como Shein, Shopee e AliExpress, mas também brasileiras, como Mercado Livre (empresa fundada na Argentina, mas com sócios nacionais) de pirataria e evasão fiscal.

Apesar da pirotecnia e (muitos) erros conceituais, o PPT de Hang convenceu Bolsonaro, Guedes e a Receita Federal de que era preciso mudar as regras do jogo. Dias após a audiência de Hang com Bolsonaro, diretores da Receita Federal deram entrevistas à imprensa dizendo, com todas as letras, que uma medida provisória estava sendo estudada para taxar o comércio feito por estas plataformas internacionais.

A repercussão popular foi péssima. Com a inflação em alta e com uma eleição para disputar, Bolsonaro abandonou seu aliado da Havan e, num tuíte, anunciou que o debate estava encerrado e que ninguém seria taxado.

A vitória de Lula, no fim de 2022, elegeu um projeto político em tudo diferente do governo anterior, como, por exemplo, a ideia de que o Brasil precisa se reindustrializar.

Neste contexto, desenhou-se impor impostos às importações de até US$ 50, feitos por plataformas como Shein e Shopee. A medida chegou a ser anunciada pelo ministro Haddad para, depois, ser desmentida.

Como se sabe, a repercussão da opinião pública foi péssima e Lula, que se posiciona no quadrante oposto a Bolsonaro, nesta seara, agiu como seu antecessor: recuou no projeto de taxas as plataformas. Um curioso alinhamento entre pessoas tão diferentes.

Ambos erraram.

Preferiram a decisão mais cômoda a optar pelo enfrentamento ao comércio eletrônico internacional, que é claramente lesivo aos interesses de desenvolvimento do Brasil.

Não se trata aqui de defender as lojas Havan e outras empresas nacionais que, muitas vezes, querem apenas impedir que o consumidor acesse os fornecedores internacionais por si próprios, mas, sim, colocar-se como intermediários entre elas, sob argumento de que “recolhem” impostos de importação.

O fato objetivo é que a isenção de US$ 50 para compras online internacionais criou um duto para a importação de todo tipo de quinquilharia, sem coleta de quaisquer impostos e sem nenhuma contribuição para a economia nacional.

Naturalmente, quando confrontadas, as plataformas estrangeiras têm um discurso na ponta da língua: dizem que estão contribuindo para a digitalização da economia brasileira, que farão investimentos no Brasil e que o livre comércio é um lindo caminho cor-de-rosa para o desenvolvimento.

Desenvolvimento da China, no caso.

Não defendo aqui o protecionismo tarifário que, aliás, não pode ser imposto por canetada, uma vez que o Brasil é signatário de diversos acordos internacionais.

Mas, afinal, a qual estratégia nacional interessa importar, sem nenhum tipo de taxa, brinquedos de plástico, bijuterias de segunda linha e roupas descartáveis?

Em nome da livre economia e dos direitos do consumidor, que se importe tais produtos, mas que não entrem no país totalmente isentos de impostos, o que impõem uma óbvia competição desleal com qualquer tentativa de produção local.

Tal medida, além de permitir recolher recursos para financiar a saúde, a educação e, vá lá, a dívida pública, deveria ser acompanhada de uma política industrial que dê ao Brasil alguma perspectiva de desenvolver-se, criar suas marcas, investir em pesquisa e desenvolvimento.

Apoiar a economia nacional na exportação de commodities —como grão de soja in natura e minério de ferro bruto— não é lá muito mais auspicioso que exportar pau-brasil e cana-de-açúcar.

No novo mundo da inteligência artificial, indústria 4.0 e da guerra dos semicondutores, o Brasil pode ter um papel mais sofisticado do que trocar matérias-primas por blusinhas da Shein.



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