João Ribeiro foi resgatado no fim de janeiro de condições análogas à escravidão na fazenda de café Boa Vista, em Bueno Brandão, Minas Gerais. ‘Ele era uma pessoa que praticamente não existia para o Brasil’, diz auditora-fiscal do Trabalho Elvira Tomazin. Conheça a história do João, escravizado por quase 40 anos: ‘Sofri e sofri muito’
Neste domingo (5), o Fantástico conta a história de um homem sem identidade, escravizado por quase 40 anos. João era indocumentado. Pouco se sabe sobre a história dele. Só que era conhecido como “João do Brejo”. Ele foi resgatado no fim de janeiro de condições análogas à escravidão na fazenda de café Boa Vista, em Bueno Brandão, Minas Gerais.
“Tudo começou porque ele foi atendido no final do ano passado. Ele foi levado ao hospital com suspeita de pneumonia. E no hospital, verificaram que ele não tinha documento nenhum”, conta a auditora-fiscal do Trabalho, Elvira Tomazin.
A equipe de profissionais da saúde desconfiou e avisou à Assistência Social do município, que fez a denúncia ao Ministério do Trabalho e Emprego. Os auditores-fiscais fizeram uma operação e encontraram João capinando a terra, descalço.
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Os auditores encontraram João vivendo em uma casa sem a mínima condição de dignidade humana. Segundo os auditores, João dormia em uma espuma suja, encardida. Lá não tinha geladeira, não tinha televisão, não tinha rádio, não tinha nada. O único dinheiro encontrado com João era um punhado de notas antigas do Brasil, como o cruzeiro.
“É quase difícil de acreditar. Eu fico inconformada como é que alguém consegue submeter um ser humano nas condições em que a gente encontrou esse senhor? Ele era uma pessoa que praticamente não existia para o Brasil”, lamenta Elvira Tomazin.
O João chegou à fazenda em 1984, de acordo com o relato do empregador às autoridades. Segundo ele, João estava perdido e procurava uma oportunidade de trabalho, e ali ele ficou vivendo em condições degradantes, trabalhando sem salário registrado, durante 39 anos. João não era alguém nem para o sistema de saúde.
“Ele é um paciente diabético e hipertenso, não fazia uso das medicações de uso contínuo. Já providenciamos também toda a vacinação. A gente desconhece cartão vacinal desse paciente”, diz o médico Sérgio Ribeiro Goulart.
Agora, João vive em um lar de idosos. Perguntado pela equipe do Fantástico se recebe salário, João respondeu:
“Recebi nada, nada só trabalho. Só trabalho”.
A conversa com João é difícil. A palavra que ele mais usa é “trabalho”.
Repórter: “O que que o senhor gosta de fazer?”
João: “Eu gosto de trabalhar.”
Repórter: “Tem algo que dê prazer para o senhor?”
João: “Prazer para mim é roçar, levanta cedo, já vai no canto, já pega uma ferramenta de segunda a sábado…”
Repórter: “O senhor me dá a impressão de uma vida sofrida. O senhor sofreu?”
João: “Sofri e sofri muito, eu vou falar para vocês”.
O empregador se chama David Aparecido de Oliveira. Ele não respondeu ao nosso pedido de entrevista do Fantástico, nem o advogado dele.
No dia 27 de fevereiro, em Bueno Brandão, João do Brejo recebeu as verbas rescisórias do antigo patrão. Na sexta (3), ele recebeu seus documentos – como certidão de nascimento, identidade, CPF e cartão do SUS. Ele conta que nunca gostou de ser conhecido como João do Brejo.
“Eu nunca gostei desse apelido. É João Ribeiro”.
Problema crônico
A história do João revela como o trabalho escravo é um problema crônico no Brasil. Em 2022, 2,5 mil pessoas foram resgatadas de condições análogas à escravidão. Só nos dois primeiros meses de 2023, já foram 523. Duzentas e sete delas foram resgatadas de um alojamento em Bento Gonçalves, no Rio Grande do Sul, em um caso que escandalizou o país.
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Em nota, a vinícola Aurora pediu desculpas aos trabalhadores vitimados pela situação.
A vinícola Garibaldi diz que está colaborando com as autoridades para a elucidação dos fatos e amadurecendo suas práticas institucionais.
A Salton disse que nenhum trabalhador da empresa ou prestador de serviços foi resgatado em suas dependências e que não tinha recebido nenhuma denúncia sobre maus tratos e violação dos direitos humanos.
A Fênix, empresa responsável pelo recrutamento dos trabalhadores, informou que pagou a rescisão devida que alcançou a soma de R$ 1,1 milhão, mas não aceitou fazer o pagamento adicional de R$ 600 mil de indenização por não reconhecer que impuseram aos trabalhadores condições análogas às de escravos.
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Fonte: Portal G1
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