Apesar de só ter divulgado os vídeos com a ação de traficantes de drogas na Ladeira dos Tabajaras, em Copacabana, em 2005, a alagoana Joana Zeferino da Paz já observava de sua janela a movimentação de bandidos desde meados dos anos 1990.
Em uma de suas entrevistas ao então repórter do Extra Fábio Gusmão, a idosa contou que, em meio ao aumento do poderio dos criminosos, chegou a relatar o problema no Quartel-General da Polícia Militar, mas sem despertar qualquer reação.
A inquietação de quase 30 anos atrás continua sendo uma realidade para os moradores da região, que convivem com bandidos armados e a venda de drogas ostensiva na favela.
Joana da Paz deixou essa realidade para trás há 17 anos, quando entrou para o programa de proteção a testemunhas e passou a ser conhecida como Dona Vitória. A idosa — que morreu na última quarta-feira, aos 97 anos, em Salvador (BA), após sofrer um acidente vascular cerebral — entregou nas mãos da Polícia Civil fitas de vídeo com as imagens que levaram para a cadeia mais de 30 criminosos, incluindo policiais militares acusados de receberem propina.
Armas ainda mais letais
De lá para cá, o tráfico na comunidade só se expandiu, com uso de armamento pesado. Crianças e adolescentes, além de mulheres, atuando como “mão de obra” nas bocas de fumo, foram flagrados por ela, uma realidade que ainda pode ser vista da janela pelos vizinhos do Tabajaras e por quem vive na comunidade. Joana também mostrou o consumo de drogas por crianças em plena luz do dia.
Nem mesmo a presença do estado, com a implantação de uma Unidade de Polícia Pacificadora (UPP) na favela no fim de 2011, foi capaz de frear a expansão do tráfico, como era o desejo de Joana da Paz. Hoje, a favela serve de base para bandidos do Morro Pavão-Pavãozinho, também em Copacabana, que têm planos de invadir o Morro Chapéu Mangueira, no Leme.
De acordo com investigações da Polícia Civil, a maior parte dos lucros dos criminosos do Tabajaras vem da comercialização de cocaína e drogas sintéticas, que são vendidas na favela e no “asfalto”.
Consumo de drogas ainda na infância
Entre os registros de 2005, estava o de crianças bem pequenas, algumas que não aparentavam ter mais que 6 anos, consumindo drogas. Abandonados à própria sorte, sobretudo com a evasão escolar intensificada pela pandemia, crianças e adolescentes seguem compondo a cena do tráfico nas favelas. “Se eu ganhasse na loteria, fazia casas para eles”, dizia Joana.
Os jovens ‘vapores’ da boca de fumo
Fora da escola e com famílias bem pobres, crianças e adolescentes são recrutados cada vez mais cedo por facções do tráfico para atividades perigosas. No registro de Joana da Paz, há quase duas décadas, um “vapor”, nome dado ao jovem que vigia a boca e negocia a droga diretamente com o consumidor e carrega arma e mochila com drogas para a revenda.
A ostentação de armas para mostrar controle
Do início dos anos 2000 para hoje, as armas do tráfico se sofisticaram: agora têm maior potência e alcance. Também ganharam as redes sociais, com criminosos exibindo suas pistolas e fuzis. Mas passado o tempo, uma cena se mantém: a ostentação de armas de fogo nas bocas. “Olha só, eles andam armados, tranquilos, no meio da rua”, indignava-se Joana.
Crime à luz do dia, com a cara à mostra
Joana da Paz fazia comentários enquanto filmava a rotina do tráfico na Ladeira dos Tabajaras: “Traficantes imundos puxando maconha a essa hora do dia, uma hora dessa, ninguém tem paz…”, dizia, indignada. Em outro momento, surpreendia-se com o crime sendo cometido à noite ou, escancaradamente, à luz do dia: “São 24 horas de pouca vergonha”.
Guerra na favela, uma batalha vencida pelo crime
Confrontos violentos entre tráfico e polícia e entre facções rivais, comuns nos dias atuais, também foram relatadas por Joana da Paz. “Cinco e pouco da manhã, teve tiroteio no Morro dos Cabritos, em cima do Túnel Velho; no morro da Vila Rica, do outro lado, teve tiroteio a madrugada inteira”, contou a idosa em uma de suas detalhadas descrições.
A presença de mulheres: consumo nas escadarias
Assim como crianças, mulheres marcam presença na cena da venda de drogas em favelas do Rio. Como operadoras do negócio ou como consumidoras, elas já apareciam nas filmagens de Joana, no Tabajaras: “Essa vagabunda está aqui todos os dias, traz duas crianças (…) Que horror, isso é muito triste, uma viciada de primeiro grau”, narrou a idosa.
Fonte: Fonte: Jornal Extra