“Tenho fé em Deus que eu ainda vou conseguir, porque o Senhor nunca me faltou com o apoio, com a segurança, com a energia”*
Dona Vitória
A peregrinação de Dona Vitória chegou ao fim quando ela encontrou a inspetora Marina Maggessi, em maio do ano passado. Na época, a policial respondia pela Coordenadoria de Inteligência da Polícia Civil. Depois de ver as imagens, a inspetora determinou uma investigação para descobrir quem eram os bandidos que apareciam nas filmagens. Vários criminosos foram identificados. No entanto, a operação policial não pôde ser deflagrada por questões de segurança. Dona Vitória não queria abandonar o apartamento em que vivia.
Ficamos sensibilizados com a história dela e sua disposição em produzir um material que impressiona e choca. Conseguimos identificar vários bandidos, mas esbarramos na vontade dela de permanecer naquele endereço. Não poderíamos causar mais riscos. Suspendemos a incursão até que ela aceitasse entrar no programa de proteção a testemunhas, o que não aconteceu enquanto eu estive à frente da Cinpol. Naquele período eu ligava para Dona Vitória diariamente e ela sempre dizia que os bandidos já não estavam mais lá, tinham saído – contou Marina Maggessi.
Nitidez
O EXTRA teve acesso às imagens na mesma época em que Dona Vitória procurou a polícia. As cenas impressionam não só pela nitidez da filmagem, como pelo grande movimento de venda de drogas na Ladeira dos Tabajaras. Em determinados momentos, principalmente em feriados e datas festivas, foram registradas filas intermináveis de homens e mulheres ávidos por maconha e cocaína.
Relembre em imagens a reportagem especial com flagrantes de Dona Vitória
Os “vapores”, bandidos responsáveis por vender as drogas, ofereciam o pó como numa grande feira. Anunciavam aos gritos os preços cobrados pelos sacolés. A maconha também era comercializada, mas em menor quantidade. As armas eram instrumento de trabalho de homens com mochilas recheadas de drogas. Logo nas primeiras imagens feitas por Dona Vitória, é possível ver nitidamente um menor portando uma escopeta calibre 12. Pistolas de diversos calibres compõem o arsenal dos criminosos da Ladeira dos Tabajaras. Ela filmou ainda submetralhadoras nas mãos dos bandidos.
Película protetora na janela e na persiana
O risco de ser vista pelos traficantes era grande. Foi por isso que ela passou a tomar determinadas precauções para não ser flagrada. Em 1999, a janela de sua casa foi alvejada duas vezes pelos bandidos da favela. Não seria difícil eles acertarem novamente. Dona Vitória, então, adotou procedimentos para filmar os traficantes em ação. Colocou película escura na janela de casa para evitar que os bandidos pudessem vê-la do lado de fora.
Ela sabia também que eles utilizavam binóculos para monitorar a movimentação dos moradores dos prédios em frente. Quando começava a gravar, sempre narrando sua indignação com aquela situação, ela baixava a persiana que ficava do lado de fora da janela.
Buraco na cortina
Uma cadeira ficava sempre no mesmo lugar. Uma mesinha com listas telefônicas serviam de base para a câmera. Davam firmeza e sustentavam os braços que cansavam depois de algumas horas de filmagem.
Não tem perigo, não. Eu filmo através de uma brecha que deixo na janela e um buraco que fiz na cortina – contou Dona Vitória, antes de mostrar sua casa.
A filmadora, comprada com uma entrada de R$800 e prestações de aproximadamente R$150, era colocada em cima da estante, sempre ligada à bateria.
Isso é para eu não perder nenhuma imagem. Às vezes eu quero filmar alguma coisa importante, pesada, e não podia perder tempo – revelou.
De madrugada
Dona Vitória acordava até de madrugada para filmar os traficantes em ação. Ela reclamava que eles faziam muito barulho anunciando a venda de drogas. Indignada, ela ligava a câmera e a cena era a mesma.
* Esta reportagem foi publicada pelo Extra em 24 de agosto de 2005.
Fonte: Fonte: Jornal Extra