Nos últimos três meses de 2022, o roubo de veículos disparou no estado do Rio, aumentando, nesse período, 39% em relação ao ano passado. O maior aumento foi no mês de novembro, 55%, subindo de 1.616 casos para 2.547, uma média de quase 7 carros roubados por dia. Com o veículo em mãos, os criminosos utilizam variadas formas para obter lucro, seja com a revenda de peças, “clone” do carro ou a exigência de uma quantia para devolver o veículo, com a cobrança de uma espécie de resgate. Nesta última, é comum os bandidos aceitarem pagamento do valor por Pix feito para a conta corrente de integrantes da quadrilha.
Em investigação à qual o EXTRA teve acesso, a transferência foi feita para a conta em nome do próprio chefe do grupo, apontado como responsável pelos roubos no complexo de Senador Camará, na Zona Oeste. Foram cobrados R$ 15 mil pela devolução de uma Sprinter branca. A maior parte, R$ 13,9 mil, foi paga em dinheiro e o restante, por Pix, numa negociação feita pelo WhatsApp.
Atualmente, a quadrilha de Camará é uma das principais em atuação no Rio. No início do mês, policiais da Delegacia de Roubos e Furtos de Veículos e de outras unidades do Departamento-Geral de Polícia Especializada fizeram uma operação na Vila Aliança, localizada no complexo, e foram apreendidos quase 40 veículos roubados, alguns deles, de luxo, como um Jeep Renegade, um Audi e um Toyota Corolla Cross. Os criminosos praticam roubos preferencialmente na Zona Oeste e levam os carros para a comunidade. Além dos pedidos de resgate, o grupo usa os veículos roubados para desmontar e revender peças. Para atuar na área, os assaltantes pagam uma taxa ao tráfico local.
O EXTRA mapeou outras três quadrilhas que atuam na Região Metropolitana do Rio. De outubro a dezembro, a capital foi a área que apresentou o maior crescimento nos índices do crime, subindo 15%. Entre as dez delegacias com maior aumento em 2022, oito estão na Zona Norte. Delegado titular da DRFA, Vinicius Domingos pontua que apesar do crescimento no fim de 2022, os roubos de veículos apresentaram queda, em janeiro e fevereiro de 2023, em relação aos mesmos meses de 2022. Além das rondas nas ruas e operações do DGPE em comunidades-chaves, ele afirma ser importante responsabilizar os chefes do tráfico das localidades.
— Em alguns locais, existe essa associação entre a quadrilha de roubadores e o tráfico. Em outros, a quadrilha faz parte do próprio tráfico. Sempre há o respaldo (dos traficantes), seja com fornecimento de armas ou dando abrigo para que esses carros sejam mantidos dentro das favelas. Por isso, estamos buscando essa responsabilização — afirma.
‘Clones’ de veículos
O Complexo do Lins foi outro local onde o DGPE realizou uma operação, no mês passado. O conjunto de favelas, ao lado da Autoestrada Grajaú-Jacarepaguá, ligação entre as Zonas Norte e Oeste, abriga outra quadrilha que está entre as principais em atuação no Rio. De lá, os criminosos praticam roubos, principalmente na Tijuca, Méier e Engenho Novo, na Zona Norte, e Jacarepaguá, Barra e Recreio, na Zona Oeste. A área da delegacia do Méier foi a segunda com maior aumento dos roubos em 2022. O índice foi de 197 para 377 casos. A primeira colocada foi a delegacia de Inhaúma, que pulou de 293 para 603 registros. Na terceira posição, ficou a área da delegacia de Bonsucesso, que deu um salto de 430 para 775 casos.
Associados ao tráfico local, de quem alugam armas para os assaltos, os criminosos do Lins dedicam-se ao clone de veículos roubados. Eles trocam a placa, colocando outra, copiada de um carro com características iguais, em situação regular, e remarcam outros sinais de identificação existentes. Depois, o carro é vendido, muitas vezes, por valor abaixo do de mercado.
Segundo a Polícia Civil, os criminosos do Lins vendem por R$ 3 mil os carros roubados para outra quadrilha, a do Morro do Turano, no Rio Comprido, que realiza os “clones”. Nos roubos, eles ainda extorquem dinheiro das vítimas, exigindo um valor por Pix, não para devolução do veículo, mas, apenas, para liberá-las durante o assalto. Nos casos de clonagem e desmanche, eles agem por encomenda, tendo como alvo modelos com demanda no mercado paralelo. Diretor-executivo do Sindicato das Seguradoras do Rio e Espírito Santo, Ronaldo Vilela explica que não há uma tendência de aumento dos seguros de veículos no Rio.
— Os preços já foram reajustados, mas por outras razões, como a falta de peças para alguns veículos em razão da pandemia. Agora, não vejo cenário no qual haverá um impacto. Mas o que preocupa muito é o de recuperação de veículos, índice que está muito baixo, em torno de 31%. Esse, sim, é um fator que influencia.
Quadrilhas do Turano e da Serrinha
A quadrilha do Turano é considerada a maior “clonadora” de veículos da maior facção criminosa do Rio. Junto com comparsas de outras comunidades do entorno, como Fallet-Fogueteiro, em Santa Teresa, os bandidos atuam em várias áreas da cidade, mas, em especial nas Zona Sul e Oeste. A quadrilha foi a responsável pela morte do médico Cláudio Marsili durante o roubo de sua picape Toyota Hilux na Barra, em outubro de 2021. Em janeiro de 2022, a Polícia Civil prendeu o chefe da quadrilha, Thiago Fernandes Virtuoso, conhecido como Tio Comel.
Outra quadrilha cuja atuação tem impacto nos índices da capital é a do Morro da Serrinha, em Madureira. No fim do ano passado, o chefe do tráfico na comunidade, Wallace Brito Trindade, o Lacoste, que está foragido, deu aval para que integrantes de seu grupo praticassem assaltos na área.
Na comunidade, Lacoste permitiu ainda a implantação de um desmanche de carros. E recebe um percentual com as ações criminosas. O grupo também atua cobrando “resgate” pelos carros roubados. Embora a capital tenha puxado o crescimento do índice, a Baixada Fluminense ainda é a região que concentra a maior quantidade de roubos de carros no estado. No ranking das 5 áreas de delegacias que tiveram os maiores números absolutos de roubos de veículos em 2022, quatro estão na Baixada, duas delas em Duque de Caxias.
Fonte: Fonte: Jornal Extra