Com suas pernas tortas e dribles geniais, Manoel Francisco dos Santos, o Mané Garrincha, ajudou o Brasil a ganhar duas Copas do Mundo. Morto após perder a batalha contra o álcool, o craque foi sepultado no Cemitério de Raiz da Serra, em Magé, na Baixada Fluminense, em 1983. Próximo à capela, do lado de fora, um pôster com a foto do jogador indica que ele foi sepultado ali. Há dois túmulos onde constam o nome do craque . E o que pode parecer abundância, na verdade, é abandono em dobro.
As duas sepulturas estão em péssimo estado de conservação, e o mais grave: não está claro em qual delas estão os restos mortais do jogador. Em uma, na parte baixa do cemitério, a tampa está rachada e as datas e letras que faziam referência ao apelido “Alegria do povo” estão apagadas. No outro, na parte superior do cemitério, tem sujeira, piso rachado e inscrições também apagadas pelo tempo.
Na última quarta-feira, véspera da estreia do Brasil no Mundial deste ano, a memória de Garrincha sofreu novo golpe. A administração do cemitério admitiu que a cópia da guia de sepultamento do ex-jogador do Botafogo e da seleção brasileira está extraviada e não foi localizada nos arquivos do estabelecimento. Parte dos livros que registravam sepultamentos e exumações anteriores a 2004 também está desaparecida. O que se sabe é que o corpo de Garricnha foi exumado em algum momento, entre 2007 e 2011.
Desde então, a administração do cemitério e a família do craque não sabem informar com exatidão em que ponto do local foram depositados os restos mortais de Mané.
Em 2017, a Polícia Civil já havia concluído, em um inquérito policial, que a ossada de Mané Garrincha fora exumada da sepultura coletiva da família para o enterro de um tio, com autorização de uma irmã, falecida anos depois, e que o registro do ato não havia sido localizado em livros. Sem a documentação, não é possível dizer em que ponto do cemitério foram depositados os restos mortais do atleta. Na época, a Prefeitura de Magé chegou a dizer que faria um exame de DNA nas ossadas para saber onde Garrincha estava enterrado. Por conta do custo e da complexidade do exame, isso nunca aconteceu.
— Não é possível saber o que aconteceu exatamente, mas não conseguimos localizar a cópia da guia do sepultamento do Garrincha, ocorrido em 1983. O que posso dizer é que sumiu — afirma Margarete Lopes, de 50 anos, administradora do cemitério desde 16 de janeiro de 2021.
Ela acredita, no entanto, que o corpo de Garrincha esteja na sepultura coletiva da família do craque, na parte baixa do cemitério. A mesma opinião tem o coveiro aposentado José Carlos do Nascimento Lopes, de 60 anos. Foi ele quem fez o sepultamento do jogador, em 1983. José Carlos também participou da exumação do corpo de Garrincha.
— Fiz o sepultamento do Garrincha e também participei da exumação. Lembro que o cemitério ficou lotado durante o enterro. Tinha gente até em cima das árvores. Sobre a exumação, os ossos foram colocados em uma sacola na própria sepultura. Acho que estão lá até hoje — disse.
A sepultura coletiva foi a que recebeu, em 1983, o corpo de Mané Garrincha. Em 1985, a Prefeitura de Magé construiu o outro túmulo, com um obelisco, para o craque. O local tinha inscrições que homenageavam o ex-jogador da seleção e que atualmente estão totalmente apagadas. Rosângela Cunha dos Santos, de 68 anos, uma das filhas do ex-jogador, disse não ter condições de realizar melhorias nos túmulos. Ela revelou ainda ter ido ao cemitério pela última vez no Dia de Finados.
— Estou triste com toda esta situação. Não tenho condições financeiras para fazer melhorias. Estive no cemitério no dia 2 de novembro. Não sei onde está o corpo dele, por isso, na dúvida, acabei rezando pelo papai nos dos túmulos — disse.
Procurada, a Prefeitura de Magé disse que a responsabilidade pela manutenção do jazigo localizado na parte baixa é da família do ex-jogador. Na nota, o município afirma que os restos mortais do jogador estão no túmulo da parte superior do cemitério. O local, no entanto, também precisa de melhorias. Sobre a cópia da guia de sepultamento de Garrincha, que deveria estar arquivada no Cemitério de Raiz da Serra, a prefeitura alegou não existir documentos desaparecidos e que levou o documento, junto com outros, para uma Central de Administração de Cemitérios, no Centro da cidade. Por fim, a nota diz ainda que há um projeto de turismo chamado Circuito Mané Garrincha, cujo roteiro inclui visitação por uma casa onde o ex-jogador morou, a igreja onde ele foi batizado e o Esporte Clube de Pau Grande, local em que Garrincha deu os primeiros passos no futebol.
Fonte: Portal G1