Carioca que não tem um botequim do coração é bom sujeito não é. Muito além de lugares de comes e bebes, esses bares são fartos em memórias e histórias que se confundem com a da cidade. Justamente por ultrapassar as barreiras do balcão e da estufa, desde 2011 eles passaram a ser reconhecidos como Patrimônio Cultural Carioca. Nesta quarta-feira, um cinquentão tijucano entra para esse time especial de biroscas, o Bar do Momo.
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— Frequento o Momo desde que nasci. Passava lá para pegar bala com a Filó antes de ir para a escola — diz Gabriel Cavalcante, o Gabriel da Muda, brincando que morou a vida inteira no Momo e só dormia no apartamento da mãe. — Me sinto parte daquilo também. Ver um estabelecimento da Zona Norte, de família, numa cidade que tem cada vez menos olhos para os botequins tradicionais viverem o seu auge não é brincadeira.
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O bar que realmente pertenceu a um Rei Momo foi comprado por Antônio Lopes dos Santos, o Tonhão, em 1986. Desde então, não se sabe se o bar reinventou a família ou se a família reinventou o bar porque lá tudo é feito no núcleo base. Trabalham mãe, pai, filhos e tia. A cozinha salgada é território de pai e filho, Tonhão e Toninho, cozinheiro de mão cheia que trouxe juventude ao lugar. Os doces são de dona Glória, mãe de Toninho e de Lorena, que organiza tudo no lugar. As batidinhas, bons drinques e sorriso largo são virtudes da Filó, a tia.
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— O Momo tem uma vida longa e bonita, né? A primeira vez que pisei por lá deve ter sido em 2010, 2011. Acho que como todo mundo, tive um impacto muito grande na trinca de ouro que sai por ali: bolinho de arroz do Toninho, maracujá da Filó e pudim da Dona Glória — conta Eduardo Freitas, o Preá, lembrando um dia em que Toninho salvou o relacionamento de um amigo com uma quentinha de jiló. — Estava com um amigo naquelas tardes que não acabam e, depois de umas sete saideiras, o telefone dele toca insistentemente. Era a esposa querendo saber o motivo de tanto atraso. Ele avisa que tem que ir embora, e Toninho faz uma pergunta só: ela gosta de jiló? Dez minutos depois, ele volta da cozinha com uma quentinha improvisada e diz: “pede desculpas pra ela por mim e espero que ela goste”.
Essa e outras histórias estão guardadas nos rejuntes dos azulejos do bar da General Espírito Santo Cardoso. É puro suco de Rio de Janeiro.
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— O Bar do Momo tem a essência da cultura dos botequins. É impossível ir ao Momo e não saborear seu tradicional bolinho de arroz. Eu mesmo já perdi as contas de quantas vezes estive por lá e de quantas histórias contei e ouvi, saboreando um petisco e tomando uma gelada — exalta o prefeito Eduardo Paes. — Vida longa ao Momo e a todos os botequins tradicionais da nossa cidade.
E se os 50 são os novos 40, a trajetória de sucesso do Momo está só engatinhando.
— O Momo está vivendo o seu melhor momento. É como diria Aldir Blanc: aos 50, o Momo insiste na juventude. O botequim é uma instituição carioca. É o lugar mais democrático para se estar nesses tempos. Fico emocionado porque vi o bar em todas as formas e em todos os momentos — arremata Da Muda.
Um brinde ao Patrimônio Cultural Carioca
O trabalho para elencar um bar ao título de Patrimônio Cultural Carioca é feito por uma equipe multidisciplinar da Secretaria municipal de Planejamento Urbano (SMPU) que, desde 2010, ampliou os temas merecedores das placas, criando roteiros que são a cara da cidade. Ao todo, são 22 circuitos, como os de cinema, samba, bossa nova, herança africana e literatura.
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— O reconhecimento do botequim pelo poder público, como espaço, como território de relevância, joga luz, e tira da sombra um lugar que é constituído, mas muitas vezes “apagado socialmente” — diz Preá. — Sem dúvida nenhuma, é uma ação que prestigia os comerciantes, e sobretudo valoriza e reconhece o botequim como um patrimônio importante do Rio de Janeiro.
O Bar do Momo é o 32º botequim a receber a placa, mas são 28 ao todo no circuito, já que fecharam o Cosmopolita, o Bar Luiz, o Restaurante 28 e o Cervantes. As primeiras foram concedidas numa tacada só a 14 bares. Fazem parte dessa lista clássicos como o Bar Brasil e os centenários Armazém São Thiago e Armazém Senado. Em 2013, mais 11 bares foram condecorados, como o Adônis e a Adega da Velha.
Depois e um hiato de oito anos, o circuito dos botequins voltou a crescer, com a chegada do Bar da Portuguesa, Amarelinho e Bracarense. Este ano, quatro novas entradas: o Baixo Gago, Cachambeer, Galeto Sat´s e, agora, Bar do Momo.
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Os lugares de cada circuito são identificados por placas azuis, com uma breve história sobre o lugar. Para fazer parte do giro, são levadas em conta a história do lugar e sua importância para o bairro.
A do Momo diz: “O bar foi adquirido em 1986 de seu antigo proprietário, figura mítica do carnaval carioca, quem deu nome a esse bar familiar e que hoje preza pelo seu atendimento e boa mesa, se tornando uma referência na boêmia da cidade”.
— A alma dos botequins se confunde com a alma do Rio de Janeiro. É na mesa do bar que o carioca se encontra, conversa, ri, chora, discute política, futebol, se apaixona e se separa. Os botequins são espaços democráticos e cheios de carioquice — diz Paes. — Por isso, em 2011, resolvemos considerar o bar tradicional como uma categoria de Patrimônio Cultural. Nada mais justo — avalia o prefeito.
Fonte: Portal G1