Entorno da Central do Brasil sofre com abandono e projetos que nunca viraram realidade

Num raio de apenas 500 metros a partir da Central do Brasil, além das milhares de pessoas que vão e vêm diariamente, parecem se encontrar o abandono, o flagelo humano e a flagrante desordem urbana de um Rio inteiro. São alguns passos também para se assistir, à luz do dia, a crimes como tráfico de drogas, exploração de menores e furtos. Refletem chagas antigas que só se agravam, mesmo depois de terem sido alvo, nas últimas duas décadas, de uma dezena de projetos — alguns faraônicos, como um inspirado no High Line, de Nova York — que prometeram toda sorte de solução para revitalizar e modernizar um dos lugares mais emblemáticos da cidade.

Quase nada foi materializado. E, do pouco que se tornou realidade, parte não se conservou, como evidenciam as carcaças do Teleférico do Morro da Providência, inaugurado em 2014, a um custo de mais de R$ 115 milhões (em valores atuais), e inoperante desde 2016. O prefeito na época era Eduardo Paes, que hoje está de volta ao comando da cidade, com um diagnóstico das intervenções necessárias para retomar a operação.

Já a ideia do High Line, que consumiria R$ 8 bilhões, foi proposta em 2017, pelo então prefeito Marcelo Crivella, que pretendia fomentar uma parceria público-privada (PPP) para construir uma espécie de cidade suspensa sobre a linha férrea, entre as estações Central e Leopoldina.

Governadores, concessionárias privadas, órgãos federais e até entidades internacionais já estiveram envolvidas em projetos que não passaram de ilusão, um “engana-povo”, nas palavras da doméstica Maria Aparecida do Carmo, de 47 anos, que faz baldeação na Central, do trem para o ônibus, a caminho do trabalho.

— Este lugar não evolui. Há anos, é uma baderna. É difícil acreditar no que prometem para a Central — afirmou ela, no Terminal Procópio Ferreira, localizado entre a gare da Central e a Avenida Presidente Vargas e administrado pelas concessionárias de ônibus do Rio.

Com a calçada cheia de camelôs, pedestres andam no meio da rua
Com a calçada cheia de camelôs, pedestres andam no meio da rua Foto: Hermes de Paula / Agência O Globo

No terminal, em dias de chuva, é um olho no chão e outro no teto. O calçamento está cheio de buracos, a cobertura das plataformas também, com alguns trechos de telhas soltas. O aspecto é sombrio e sujo, reforçado por um cheiro forte de urina. É onde grupos de moradores de rua se refugiam, às vezes em colchões ou abrigos improvisados com cobertores.

— Já foi pior. Não faz muito tempo havia barracas aqui. Os caras do morro é que mandaram tirar, porque ladrões se escondiam nelas. Estava chamando a atenção da polícia — disse um homem que há 40 anos trabalha na Central, que preferiu não se identificar. — Ainda tem assalto. Outro dia empurraram um velhinho, que caiu com a cara no chão. Uma covardia!

Nesse perímetro, a menos de 500 metros da Central, no mês passado a vítima foi o advogado Victor Stephen Coelho Pereira, de 27 anos, assassinado a facadas na estação Saara do VLT, num crime bárbaro flagrado por câmeras de segurança.

Camelôs no caminho

E não é só o perigo que atravessa o caminho da multidão que frequenta a região da Central. Espaços apinhados de camelôs estão por todo canto. No recuo para ônibus na Presidente Vargas, há vários. O passeio na lateral do Edifício Central do Brasil também foi loteado por mesas e cadeiras de barracas de lanches. Pela Rua Bento Ribeiro, entre a gare da estação ferroviária e o Terminal de Ônibus Américo Fontenelle, sobrou para o pedestre um corredor entre ambulantes, que se aglomeram tanto na calçada quanto na rua, junto ao meio-fio.

Enquanto isso, o Mercado Popular Leonel de Moura Brizola — inaugurado em 2012, para receber ambulantes dois anos após um incêndio de grandes proporções no camelódromo da Central — só não está completamente às moscas porque parte dos boxes está ocupada, na maioria dos casos, por pequenos salões de beleza e estúdios de tatuagem, que atendem basicamente a moradores do entorno. A estrutura fica na boca do Túnel João Ricardo, afastada cerca de 300 metros do burburinho de gente que usa os diferentes modais de transporte (ônibus, trens, metrô, VLT, vans e mototáxis) na região. Distância suficiente para o projeto resistir envergando, quase quebrando.

— Hoje são cerca de 130 boxes (de um total de mais de 500) funcionando. Fazemos o possível para manter o mercado. Mas precisávamos de pelo menos 300, 350 boxes ocupados para tocá-lo bem — afirma Aderito da Silva, o Duda, presidente da associação dos comerciantes do mercado. — Esse entorno é o grande problema. A pessoa que vem à Central não quer mais voltar, de tanto abandono.

Ele espera que a região possa se beneficiar do programa Reviver Centro — que cria incentivos para imóveis residenciais —, já que nas melhorias do Porto Maravilha, afirma, “a Central ficou no limbo”. Aderito acredita que uma saída seria a chegada de uma grande loja âncora ao espaço.

Seria mais simples, com certeza, do que outras propostas para a região não cumpridas. O ano de 2017 foi profícuo nessas promessas. Além do High Line, à época o então governador Luiz Fernando Pezão assinou um aditivo ao contrato de concessão da SuperVia, que permitia a construção de empreendimentos comerciais nas estações férreas. Na Central, o plano da concessionária era erguer, sobre as plataformas, um shopping com 276 lojas e cinemas, além de um hotel três estrelas com 200 quartos, num complexo que custaria R$ 300 milhões.

No ano seguinte, Pezão e Crivella assinaram acordo para revitalizar a Central, numa cooperação técnica com a Agência Francesa de Desenvolvimento. Além do shopping, o previsto era transformar a estação em um terminal multimodal e reformar ruas, calçadas e prédios no entorno. No que tange à SuperVia nessa ideia, a notícia não é das melhores. “A pandemia e seus efeitos econômicos fizeram com que a viabilidade desse tipo de projeto tivesse que ser revisitada”, disse a concessionária, por nota.

Combinaram com os russos

De volta a 2017, na esteira do High Line de Crivella, o ex-prefeito chegou a ir à Rússia apresentar a ideia de transformar os trens da Central em metrô subterrâneo. E, meses depois, um empresário do país assinou uma carta de intenção para, nesse contexto, realizar obras de urbanização na Presidente Vargas. Despoluição do Canal do Mangue, nova iluminação e calçadas remodeladas estavam no escopo sonhado. Mas tudo virou miragem.

Do que se concretizou, a linha 2 do VLT, que atravessa a região, é das poucas melhorias realizadas e que continuam operando. Hoje, o novo projeto recém-apresentado para a região é a construção de um novo Restaurante do Povo, anunciado pelo governador Cláudio Castro em maio deste ano. Os planos são que ele fique num terreno entre a estação de VLT da Central e o Terminal Américo Fontenelle, numa área que até pouco tempo era usada, inclusive, para o tráfico de drogas.

O investimento na região, afirma o estado, é de cerca de R$ 9 milhões, incluindo também obras de urbanização e paisagismo no entorno. Segundo o governo, o equipamento que vai oferecer cinco mil refeições por dia, entre café da manhã e almoço. Enquanto isso, o espaço do antigo Restaurante Popular da Central, inaugurado em 2000, jaz ali do lado, fechado desde 2016.

Já por parte da prefeitura, a Secretaria de Meio Ambiente informa que há um projeto de implantação de uma horta suspensa numa área de dois mil metros quadrados nos dois prédios do Mercado Popular Leonel Brizola, para produzir uma tonelada de alimentos por mês. “Técnicos do Hortas Cariocas já dialogaram com comerciantes e moradores da comunidade da Providência sobre as intervenções”, afirma a secretaria.

Sobre os moradores de rua, a Secretaria de Assistência Social afirma que, só em 2022, realizou na área 3.432 atendimentos, sendo 1.936 encaminhamentos e 807 acolhimentos. A Secretaria de Ordem Pública também afirma atuar com operações constantes na Central do Brasil.

Fonte: Portal G1