‘Ciclo de violência à mulher só será rompido com mais acolhimento’, diz especialista

Em cinco anos, o estado do Rio de Janeiro viu a violência contra a mulher aumentar em 73%. Nos últimos dois, a pandemia foi um agravante para o aumento desse índice. E nos seis primeiros meses deste ano, o número de feminicídios foi 20% maior do que no mesmo período em 2021, segundo dados do ISP, Instituto de Segurança Pública. O questionamento que fica é: o que tem sido feito para combater a agressão e morte de mulheres?

São Gonçalo está entre os municípios fluminenses que mais registram violência. Segunda população maior do estado, o município possui apenas uma unidade do Centro Especial de Orientação à Mulher (Ceom), o que a assistente social Thais Moratti, do Movimento de Mulheres em São Gonçalo (MMSG), considera, certamente, muito pouco.

“Nós temos um Ceom para uma população de mais de um milhão de habitantes. Precisávamos de pelo menos um por distrito, e temos cinco distritos em São Gonçalo, e o que temos hoje está em obra. Além disso, não temos uma instituição de acolhimento à mulher em situação de violência, em um município que é o segundo maior colégio eleitoral do estado. Já houve um movimento para se criar um abrigo em SG,  mas por enquanto a gente tem que contar com abrigo da Baixada Fluminense ou de outros municípios”, conta.

Num mesmo dia, três crimes cometidos contra mulheres foram registrados e noticiados no Rio

Num mesmo dia, três crimes cometidos contra mulheres foram registrados e noticiados no Rio |  Foto: Divulgação

 

Segundo a Prefeitura de São Gonçalo, o município conta com o Centro Especial de Orientação à Mulher (Ceom) e a Sala Lilás para atuar na luta contra à violência de gênero, e a secretaria do município tem em seu planejamento revitalizar a unidade do Ceom, em Neves, além de implementar uma nova sede nas proximidades de Alcântara.

Já a Sala Lilás, que fica no IML de Tribobó, tem o objetivo de oferecer um atendimento mais humanizado para as mulheres, adolescentes e crianças vítimas de violências doméstica que precisam realizar o exame de corpo de delito após registrar ocorrências nas delegacias.

De acordo com o Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, até maio deste ano, já foram contabilizados mais de 15 mil pedidos de medidas protetivas. Em 2021, foram 33 mil. Também houve crescimento nas notificações de crimes contra a mulher.

O boletim “Elas Vivem: dados da violência contra mulheres”, divulgado em março deste ano pela Rede de Observatórios da Segurança, apontou que o Rio de Janeiro registra um caso de violência contra a mulher a cada 24 horas. Foram 375 casos de feminicídio e violência contra a mulher com 456 tipos de violência (um único evento pode ter mais de um tipo de violência) em 2021.

Segundo a assistente social Thais Moratti, no entanto, não há como afirmar se esse número tem a ver  com o aumento dos registros ou com o aumento real de casos, que anteriormente não eram contabilizados por não haver denúncia.

“A gente também entende que algumas situações, inclusive políticas, vão favorecer as violências contra as mulheres. Quando a gente tem governos, por exemplo, que são opressores também em relação à figura feminina, e não investem em políticas públicas de combate à violência, ou agem com deboche em relação à violência contra a mulher, abre-se um precedente para outras pessoas se encorajarem a serem agressores ou para pensarem na impunidade”, afirma.

Thais Moratti, assistente social e supervisora de equipes no MMSG

Thais Moratti, assistente social e supervisora de equipes no MMSG |  Foto: Layla Mussi

 

Assistente social há quatro anos no MMSG, Thais destaca o dado do Instituto de Segurança Pública, em 2022, que revela que mais de 2 mil mulheres já sofreram violência no estado.

“Existe uma dinâmica muito específica. A violência é gradual, então ela não começa em uma violência, com um tapa na cara. Há um envolvimento afetivo e depois ele pode se tornar mais tóxico, com o início sendo  pelas agressões verbais, que aos poucos vai graduando para situações mais graves. A violência física é o ápice, mas outras violências e violações geralmente já aconteceram antes dela”, relata.

Aumenta a procura por ajuda

Desde 2020, o Movimento de Mulheres em São Gonçalo registra um aumento de aproximadamente 40% na procura por ajuda na sua sede em São Gonçalo.

Em São Gonçalo, assim como na maioria do país, notou-se que era mais comum a agressão acontecer no domingo à noite, pois o agressor vê como um momento em que há impossibilidade de se pedir ajuda.

“Há uma espera para as mulheres entrarem, e as que estão não querem sair. A gente também recebe encaminhamento de delegacia, do Ministério Público, da vara da infância, das escolas e também de outros municípios”, conta a assistente social.

O Movimento de Mulheres em São Gonçalo (MMSG) existe há 33 anos e surgiu com o objetivo de defender e lutar pelos direitos humanos das mulheres no município. Foi criado em 1989, pela assistente social Marisa Chaves, que trabalhava em uma delegacia e viu a necessidade de se criar um espaço para atender mulheres em situação de vulnerabilidade.

Com o passar dos anos, sua atuação foi ampliada para Itaboraí e Niterói e também expandiu seu campo de ação para a questão da violência doméstica e sexual contra crianças, adolescentes e jovens, direitos dos idosos, das pessoas vivendo com HIV, das gestantes, direito ao esporte, lazer, cultura e profissionalização, dentre outros.

Hoje possui parceria com a Petrobras, com a Prefeitura de São Gonçalo, com a Fundação para a Infância e Adolescência – FIA, do governo estadual. Nos projetos em que não há um financiamento, os funcionários da MMSG trabalham como voluntários.

A organização trabalha tanto com a avaliação dos casos que chegam como suspeitos de violência, quanto com aqueles em que a violência já foi confirmada e a mulher precisa de atendimento e apoio.

“Temos um grupo que se forma a cada seis meses e que tem em torno de 30 a 40 mulheres. Trabalhamos quinzenalmente com diversas temáticas, não só sobre o enfrentamento à violência, mas também temáticas que vão trazer o fortalecimento feminino, a perspectiva dos direitos, da saúde, dos direitos sexuais e reprodutivos, a educação não violenta com os filhos”, expõe a assistente social e supervisora das equipes do Tecendo Redes na Primeira Infância, do MMSG.

Outras frentes

No NACA, Núcleo de Atenção à Criança e ao Adolescente, são atendidos os casos em que há uma suspeita de violência. É feita uma avaliação que pode durar até seis meses e no final a instituição faz um relatório conclusivo, em que indica ou não as situações de violência, que é encaminhado para a delegacia, o Ministério Público e o Tribunal de Justiça, e que muita vezes embasa as decisões judiciais.

No NEACA, Núcleo Especial de Atendimento à Criança e ao Adolescente, os profissionais trabalham com o que já foi confirmado e já passou pelo processo de responsabilização.

“Muita das vezes nós mulheres somos educadas para sermos compreensivas e para perdoarmos, por isso não é culpa nossa que as coisas ocorram assim. Muita das vezes as mulheres que sofrem com a violência não têm rede familiar e políticas públicas para que o ciclo da agressão se rompa”, conclui a assistente social formada pela UFF, Thais Moratti.

Unidades de atendimento

O Movimento de Mulheres em São Gonçalo possui quatro unidades de atendimento:

Naca – São Gonçalo: Rua Rodrigues da Fonseca, 201 – Zé Garoto – São Gonçalo. Telefones: (21) 2606-5003 / (21) 98900-4217

Neaca – São Gonçalo: Rua Rodrigues da Fonseca, 201 – Zé Garoto – São Gonçalo. Telefones: (21) 2606-5003 / (21) 98464-2179

Neaca – Itaboraí: Rua Antônio Pinto, 277 – Nova Cidade – Itaboraí. Telefone: (21) 98900-4246

Naca – Niterói: Avenida Amaral Peixoto, 116 – 4º andar – Centro – Niterói. Telefone: (21) 2719-8852

Fonte: O São Gonçalo