Ricardo Moraes/Reuters – 07.06.2020
Aproximadamente metade (46%) das pessoas negras abordadas por policiais em São Paulo e no Rio de Janeiro ouviu referências explícitas à sua cor ou raça pelos agentes durante a abordagem, segundo levantamento do IDDD (Instituto de Defesa do Direito de Defesa) e do data_labe, divulgado na quinta-feira (21). Em relação aos brancos, o número cai para 6,8%.
“[Isso] claramente demonstra que existe um racismo institucionalizado nas polícias brasileiras. As pessoas são abordadas por ser negras, e não por existirem fundadas suspeitas de terem cometido algum crime ou de estarem portando armas ou drogas, como exige a lei”, avalia Ariel de Castro Alves, advogado especialista em segurança pública e direitos humanos.
A pesquisa intitulada “Por que eu?” ouviu 1.018 pessoas nos dois estados, entre maio e junho do ano passado, e mostrou, também, que pretos e pardos têm 4,5 vezes maior possibilidade de passar por abordagens policiais.
Isso porque oito em cada dez negros – ou 81% – relataram que já foram abordados pela polícia; enquanto 17,9% dos brancos passaram pela mesma situação.
Além disso, entre os respondentes, 19,1% dos negros disseram que foram abordados mais de dez vezes, enquanto entre brancos o número foi de 8,5%.
Castro Alves afirma que as polícias brasileiras, de modo geral, costumam fazer revistas pessoais em regiões de periferia; quando as ações ocorrem em bairros centrais ou centros comerciais, prossegue, os jovens pobres e negros são visados.
“Em geral, [os agentes] fazem as abordagens e revistas pessoais sem uma suspeita específica ou indício com relação às pessoas abordadas e revistadas. Atuam genericamente, reforçando estereótipos com relação aos possíveis suspeitos de crimes. E o racismo está fortemente presente nessas ações”, conclui.
Outro dado apontado pelo estudo foi que a grande maioria dos abordados – brancos (83,8%) ou negros (87,5%) – nunca foi conduzida à delegacia após a abordagem.
Esses números mostram a falta de precisão dos métodos de identificação de suspeitos por parte das polícias, avalia Priscila Pamela dos Santos, advogada criminalista e diretora do IDDD.
“No grupo de respondentes negros, a chamada ‘fundada suspeita’ se confirma em pouco mais de uma de cada dez abordagens. Significa que nove pessoas dessas dez tiveram os seus direitos suspensos temporariamente sem razão alguma”, afirma Santos.
Ariel de Castro Alves lembra que, segundo decisão deste ano do STJ (Superior Tribunal de Justiça), as abordagens só podem ocorrer diante de fatos concretos e fundadas suspeitas de que as pessoas tenham cometido algum crime, estejam em posse de armas ou de drogas.
Atuam genericamente, reforçando estereótipos com relação aos possíveis suspeitos de crimes. E o racismo está fortemente presente nessas ações
Ariel de Castro Alves
Quanto à avaliação dos respondentes sobre o tratamento recebido durante as abordagens policiais, as respostas também foram discrepantes: 74,5% dos negros classificaram de ruim ou péssimo; entre os brancos, 47,1%.
Aproximadamente três em cada dez (29,9%) brancos e dois em cada dez (19,9%) negros consideram o tratamento “nem bom nem ruim”.
Ter a própria casa como cenário de uma abordagem policial é também mais comum – em quase três vezes – entre as pessoas negras.
Nesse caso, 13,5% das ações ocorreram no ambiente residencial entre pretos e pardos. Com brancos, foram 5,1% dos casos.
Existe um racismo institucionalizado nas polícias brasileiras. As pessoas são abordadas por ser negras, e não por existirem fundadas suspeitas
Ariel de Castro Alves
“O contraste aponta para o fato de que o princípio constitucional de inviolabilidade do lar tende a ser ainda menos respeitado quando as residências são habitadas por pessoas negras ou são localizadas em bairros predominantemente negros”, pondera Priscila Pamela dos Santos.
Reprodução/IDDD
O levantamento colheu, ainda, depoimentos de pessoas brancas e negras e suas percepções a respeito das abordagens policiais no contexto de raça e cor. Confira:
“Nunca fui abordada, mas já fui insultada e xingada na porta de casa, por defender um adolescente que estava sendo abordado. Estava grávida de 8 meses, fui chamada de puta, safada e conivente com traficantes. Detalhe: o menino estava chegando da escola e eu do trabalho”, mulher negra, Rio de Janeiro.
“Sou filha de mãe branca e pai negro e tenho dois irmãos. Meu irmão mais velho e eu, que temos fenótipo branco, nunca fomos abordados pela polícia na região onde morávamos, ao contrário de meu irmão mais novo, que tem fenótipo negro. Ele foi abordado diversas vezes pela polícia”, mulher branca, São Paulo.
“Meu irmão foi abordado enquanto ia para o trabalho. Quando viram a carteirinha da faculdade dele, os policiais perguntaram por que ele estuda”, mulher negra, Rio de Janeiro.
“Meu irmão (branco) estava com uns amigos na praça, fumando maconha. A polícia os parou e revistou. O único que tomou um tapa na cabeça e ouviu xingamentos dos policiais foi um amigo negro. Já meu irmão foi levado de viatura até a porta de casa, sem a menor truculência ou violência física nem verbal”, mulher branca, São Paulo.
“[…] um grupo de amigos em um bar: quatro pessoas brancas e uma preta. Uma viatura parou pra fazer ronda e os policiais foram em direção ao meu amigo, achando que ele estava consumindo drogas. Todos estavam fumando tabaco/cigarro, mas foram direto na única pessoa preta da roda”, mulher branca, Rio de Janeiro.
“Presenciei uma abordagem uma única vez. Eu estava chegando em um show daqueles públicos que acontecem na praia e estava procurando um amigo da faculdade (negro). Encontrei ele conversando com policiais e achei engraçado, pensei que ele tinha feito amizade por ele ser muito comunicativo. Minha cabeça de jovem branco nem interpretou o que estava acontecendo… Me aproximei e o policial o interrogava de forma agressiva, no meio do calçadão de Ipanema lotado, enquanto todos ao redor olhavam. Ele foi liberado imediatamente assim que cheguei e falei que era amigo dele, que tava procurando por ele. Foi uma virada de chave na minha cabeça. Nós estávamos vestidos do mesmo jeito e no mesmo lugar, temos a mesma formação, só nossa cor nos diferenciava e fazia dele um suspeito e de mim uma prova de inocência”, homem branco, Rio de Janeiro.
Fonte: Portal R7