Numa realidade de polarizações, desafios tão superlativos que podem parecer insolúveis e um contexto de pandemia e guerras como a da Ucrânia, o diálogo e a convivência foram algumas maiores potências evocadas ontem, na abertura da Conferência da Glocal Experience, para se alcançar as transformações necessárias para um mundo mais sustentável no futuro. Uma das primeiras conversas da agenda reuniu o canadense Adam Kahane, um dos principais líderes contemporâneos de resolução de conflitos e união entre nações e povos, com a cientista social Ilona Szabó, fundadora do Instituto Igarapé e integrante do Conselho Consultivo de Alto Nível do Secretário-Geral da ONU sobre multilateralismo eficiente. E os dois reforçaram: na busca pelos avanços esperados, não basta co-existir, é preciso trabalhar junto, numa abordagem colaborativa, até com aqueles com quem se nutrem as maiores diferenças.
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Ilona Szabó: ‘Muitas outras vozes precisam ser ouvidas e ter espaço nas mesas de discussão e decisão’
Tendo como horizonte a Agenda 2030, em busca do cumprimento dos 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da ONU, a Glocal Experience – uma iniciativa da Dream Factory, com a co-realização da Editora Globo e os parceiros oficiais de mídia Extra, O GLOBO, Valor e CBN – acontece até domingo na Marina da Glória, transformada num grande laboratório para esses diálogos. No encontro entre Kahane e Ilona, o canadense ressaltou que, seja no debate de saídas para uma cidade como o Rio ou para o dilema global da mudança climática, encontrar um “meio de campo” entre as diferentes vozes é o caminho mais pragmático.
— Não é aquele imaginário de sentar juntos, fazer tudo juntos. Mas é trabalhar junto. O compromisso mínimo é a convivência. E ela não envolve concordar em todos os pontos — disse Kahane, lembrando de sua experiência em países como a África do Sul em processo de reconstrução pós-apartheid. — Quando cheguei ao país (em 1991), a equipe com quem trabalhei não era só da universidade ou pessoas do partido de (Nelson) Mandela. Havia gente de todo espectro político-social.
Ilona também frisou esse aspecto de cooperação.
— Participem de forma diversa e estranha. Saiam de sua zona de conforto. Com nossos amigos e nossa bolha é muito fácil. É preciso construir pontes — disse ela, após Kahane lembrar armadilhas de pensamento que muitas vezes atravancam as ações por mudanças, como um pessimismo que faz as pessoas acharem que não podem fazer nada.
Kahane e Ilona citaram algumas das maneiras de quebrar essa inércia, como engajar as pessoas com o intuito de transformar. E no primeiro dia da conferência, outros motores para as mudanças desejadas foram apresentadas.
‘Não existe planeta B’
Ações locais, que atendam as demandas das comunidades e regiões, mas com impactos que tenham como bússola uma agenda global, foi um dos conceitos que nortearam as apresentações. Também ficou evidente um senso de urgência para ações concretas. “Afinal, não existe planeta B”, resumiram dois jovens, Marcos Vinícios Botelho, de 19 anos, e Ana Nathália Pessoa, de 24, na solenidade de abertura do evento.
Eles leram a Carta da Juventude Rio 2030, que nasceu a partir do Fórum da Juventude, encontro que reuniu, anteontem, mais de 600 jovens na Glocal. É um manifesto apontando o que essa geração entende como medidas para as transformações necessárias.
Começando pela conscientização socioambiental mais presente nas escolas para promover a justiça climática e social, com oportunidades e direitos independente de gênero, raça e sexualidade, a Carta propõe, entre as iniciativas, a criação de fundos públicos e privados para investimento e a criação de postos de trabalho formais e dignos nas periferias. Também reivindica mais espaço para o protagonismo juvenil na execução de políticas públicas voltadas para a educação ambiental.
— É muito importante esse protagonismo jovem no debate da Agenda 2030 na Glocal Experience. Precisamos ter mais voz nesses espaços que discutem educação ambiental e meio ambiente porque, muitas vezes, eles falam pelos jovens, mas sem que estejamos inseridos. Aqui, desenvolvemos nossa própria metodologia e construímos a Carta em conjunto, com jovens de diferentes locais e origens, representando inúmeros movimentos, coletivos e organizações — afirmou Ana Nathalia, do comitê organizador do Fórum.
E se, diante dos obstáculos superlativos que há pela frente, como guerras e a pandemia da Covid-19, Carlo Pereira, diretor executivo da Rede Brasil do Pacto Global da ONU, também mostrou que é possível um amanhã mais justo.
— Perto do ano 2000, tínhamos 37% da população global na pobreza. Quando iniciamos a agenda 2015-2030, tínhamos 10% na extrema pobreza. Ainda são muitos. Mas tiramos 1 bilhão de pessoas dessa situação. Se a gente se unir, a gente chega lá — disse Carlo.
O papel das cidades e regiões para por em marcha a metamorfose esperada foi outra das alavancas evocadas para modificar o amanhã. Natalia Uribe, secretária geral da Regions4 (rede que representa a voz de governos regionais nos processos da ONU e em grandes eventos) lembrou que, das 169 metas contidas nas ODS, 110 não podem ser alcançadas sem a colaboração de governos locais e regionais. Ela tinha participado anteontem, no Palácio Guanabara, sede do governo do Rio, da assinatura da adesão do estado à Regions4.
— O desenvolvimento sustentável deve fazer parte do nosso dia a dia — disse Natalia ao dar as boas-vindo ao Rio à rede.
Representantes do governo do estado, da prefeitura do Rio, de empresas e da sociedade civil também participaram da abertura da conferência. Pela Editora Globo, Pedro Dias Leite, diretor executivo de jornalismo da CBN, reforçou o poder da mídia em ampliar o debate sobre governança ambiental, social e corporativo. Enquanto Fernando Torres, editor-chefe do Valor Econômico, ressaltou a importância também do setor coorporativo para passar essa mensagem.
Fonte: Portal G1